[CONTO: O MAESTRO E O BOLERO]
Este conto faz parte do meu novo livro, "TABU", que lançarei proximamente. É só um aperitivo, mais para testar a paciência dos leitores.
O MAESTRO E O BOLERO
O preto do fraque alinhadíssimo contrastava com a delicadeza dos frufrus da camisa. O maestro entrou amparado por mão prestimosa, dá pra ver que é amorosa, um músico vai buscá-lo. Ele desce temeroso a pequena escada que conduz ao palco do gigantesco anfiteatro da filarmônica de Munique.
Não me contive ao vê-lo franzindo o sobrolho para uma expectativa sonora, pedindo calma e espera para outro departamento dessa furiosa gigantesca, espécie de constelação de timbres magnificados, coisa bem distante de tudo a que tenho me acostumado nos últimos anos por estas bandas.
Sentado, ele faz dos braços um espelho do próprio estômago. Vejo-o agora, de vários ângulos. A música parece viva, aspira, expira, vem e vai das entranhas, o tempo se concentra naqueles tempos e todos parecem aspirar e expirar em uníssono com a orquestra, com a própria respiração suspensa.
De cabelos tão brancos e escorridos, compridos, como sempre convém a maestros e artistas, viro perguntas. Alguém sabe por que a contracultura prospera tanto entre essa turma para depois viciá-los e se tornar cultura? Ficam reacionários? Coisa de maluco: Sergiu Celibidache.
Ri. Manso mas riso, entre nervoso e aprochegado, cheio de ternura. Quase tudo o que ele me falou voltou de vez e me pegou pelos cabelos quando ele sorriu, em certo momento, demonstrando o imenso prazer que sentia de ouvir o músico executar cada nota como se ele mesmo estivesse tocando, obediente, entregue ao deus regente, uma passividade que anulava a distância entre um e outro tornando-os apenas um som e outro e outro, outro músico, outro prazer, outro companheiro, outro eu, alter ego... Fez-me olhar atentamente para a tela, algo chamou a minha atenção, pus-me a ver com tudo o que eu sabia servindo de filtro.
O início é sempre o mesmo, mas ele fez cabriolas, demonstra um ritmo, convoca. E dá o sinal de largada marcando o tempo como o deseja, a boca em muitas expressões entre sílabas, bicos e esgares de prazer ou – atenção! – pura expectativa.
Já tem mais de oitenta, não sei, rege sentado, o rosto adquiriu uma nobreza que o passado não conheceu. Hoje ele ainda saberia agradecer os aplausos de maneira tão altiva e delicada como fez nessa gravação. Está morto há sete anos, conta de mentiroso, que fazer?
O som finíssimo da flauta doce – ou será outro instrumento? – atende ao chamado do professor, enquanto as cordas, violinos, violoncelos, dão pequenas batidas com as pontas dos dedos sobre as cordas, quase uma percussão, mas as baquetas mesmo estão bem longe, com pancadinhas miúdas bem à borda das caixas. É o início do Bolero de Ravel.
Mas é sempre assim também na vida, não? As coisas não passam a ser, simplesmente. Tornam-se. É um processo, não um flash (credo, será que não tem uma palavra em português para exprimir um flash?).
Roberto Juliano
[CRÔNICA DO COTIDIANO - AGOSTO 2013]
MAIS DE 100.000 SE
INSCREVEM PARA
VIAGEM SEM VOLTA A MARTE]
De acordo com Hawking, se quisermos salvar a espécie
temos que encontrar outro planeta para viver nos próximos 100 anos.
Em 2023, partirá a primeira expedição de colonos. Marte
receberá viajantes que não pretendem voltar a Terra (talvez até estejam
voltando a Marte - vai saber!) e que já pagam, agora, as parcelas do custo
dessa viagem, orçada em muitos bilhões de dólares.
Verdadeira a notícia ou mais um gigantesco 171 nas
finanças dos que se propõem à jornada, o fato concreto é: mais e mais pessoas
querem dar adeus ao planeta em que nasceram.
Estão, portanto, abertas as especulações para estabelecer
os percentuais dos que apenas se inscrevem, mas não pretendem pagar nenhuma
parcela; dos que realmente pretendem ir-se, sem bancar a mulher de Jó; dos que
fazem qualquer coisa por uma aventura, inscrevendo-se no (lá vai!) Panteão da
história terráquea; dos que... dos que...
Permanece o fato concreto, porém. Há quem prefira o caos
do planeta vermelho, na biosfera mais inacreditável, a permanecer por estas
bandas. Violência e maldade inacreditáveis chocam os corações mais pétreos,
cobiça, irresponsabilidade, ignorância. Não há fim à vista para esse horizonte
das nossas mazelas. Quem pode culpá-los pelo cansaço de tentar e a quase
certeza de que nada há a fazer?
Não foi Stephen Hawking, esse portentoso Nobel, quem atiçou a corrida para tentar salvar a espécie humana, acenando para o espaço como a única porta de saída para o inglorioso fim da raça? Então!
Não foi Stephen Hawking, esse portentoso Nobel, quem atiçou a corrida para tentar salvar a espécie humana, acenando para o espaço como a única porta de saída para o inglorioso fim da raça? Então!
Vale a pena desejar, com fé, com desejos e despachos nas
encruzas, boa sorte para Marte, pois lhe estão enviando porcalhões arrogantes e
egoístas dispostos a tudo para destruir mais um mundo do sistema solar. As
saúvas estão chegando.
Roberto Juliano
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[ CONTO - O CACHORRO MAIS TRISTE DO MUNDO]
Este conto deixou de ser publicado no livro O DILEMA DO
VEGANO em atendimento a um conselho da querida Nina Rosa. "Toda a tristeza
que o conto emana, disse-me ela, obstrui a leitura da obra. A vontade de ler
desaparece e o leitor mergulha nesse sentimento negativo." Fiz o que ela
acertadamente recomendou. Agora, trago o conto a publicação neste blog. Faz parte
da catarse que ainda se processa.
Ia um cachorro muito triste.
Muito triste. Eu passei de carro por ele. Era um pastor alemão preto,
pelo menos um de seus ancestrais recentes era um pastor. Mas ele estava triste
muito, triste demais. Ele andava em direção contrária a mim, eu vinha da Br
116. Será que ele ia se matar?
Não consigo deixar de pensar nele. Se eu fosse dono de mim, era pra convidá-lo
a entrar no carro, sumir com ele, conversar, fazer carinhos, a gente ia se
entender. Eu não fiz nada disso, estou preso a minhas contingências e arrasto
minhas possibilidades pela rua. Nem sei se um dia poderei, nunca sei qual verbo
vou conjugar.
Ele estava triste.
Fico pensando: quanto ele já procurou seu dono? Sim, porque ali, onde eu
o vi, muitos cães são abandonados. É assim: a pessoa tem um cachorro e um belo
dia não o quer mais por perto. Aí, resolve abandoná-lo e abandona, põe no carro
e o traz por aqui, abre a porta e adeus totó, é só.
Já vi coisas. Outro dia, havia um poodle abandonado mas amarrado em uma
dessas placas de sinalização da Br. Vi uma mulher dando comida. Ela me disse
que ali é o que há, gente que abandona desse jeito e acrescentou que mais
adiante havia um outro, também amarrado.
Assim: o indivíduo cria um cachorro durante anos e depois resolve
abandoná-lo. Está amarrando o cachorro na placa para que ele não vá à BR e não
morra. Abandona amarrado. E o cachorro, acho, fica na esperança, na espera,
imaginando que o seu amor vai voltar, que vai dar água, comida, que não vai
faltar. E guarda o território.
Ia um cachorro muito triste. Triste demais. Esse não tinha território,
não tinha nada. Não era cachorro de revolta, não era cachorro de nada.Todo seu
pelo estava cabisbaixo, todo o seu corpo estava para baixo, derribado. Ele
caminhava vagarosamente, triste, na direção da BR. Esteve te procurando, muito.
Estava cansado. Dava para ver que estava cansado. Mas caminhava, triste, muito.
Na direção da BR.
Não sei se falei quantos corpos – corpos? – ensangüentados eu vi na BR.
Postas de sangue. Cães.
Ia um cão muito triste. Mas triste. Andava vagarosamente, olhando para o
chão tão perto, não me olhou, nem deu conta do meu carro. Era um pastor-alemão,
preto, ou pelo menos parecia, mas estava cansado de te buscar. Ia na direção da
BR, tão perigosa. Mas ia muito, muito triste, o cachorro mais triste do mundo.
E eu estou aqui, com essa história pra contar. Não parei, não interrompi
minha jornada, eu que sou sempre de passagem, com pressa de chegar lá.
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Ao mesmo tempo em que anuncia, como ato de boa vontade, a libertação de um número inexpressivo de palestinos presos em suas cadeias, Israel autoriza a construção de 10 centenas de casas nos assentamentos, um dos alegados motivos para a perenização do conflito entre judeus e palestinos.
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[CRÔNICA DO COTIDIANO - AGOSTO DE 2013 -]
ISRAEL APROVA A CONSTRUÇÃO DE QUASE 1000 NOVAS CASAS EM ASSENTAMENTO
Ao mesmo tempo em que anuncia, como ato de boa vontade, a libertação de um número inexpressivo de palestinos presos em suas cadeias, Israel autoriza a construção de 10 centenas de casas nos assentamentos, um dos alegados motivos para a perenização do conflito entre judeus e palestinos.
Na opinião de não sei quantos, isso é assunto deles e eu,
nem judeu, nem palestino, nada tenho a ver com isso.
Engano ledo.
Gosto da paz, quero-a e tenho razões muito práticas para
isso. Muito dinheiro se gasta nesses conflitos, cujo objetivo - sai de mim,
desconfiança! - é o dinheiro, o petróleo, o controle, o poder, dinheiro que
poderia mitigar toda a fome, toda a miséria e muito da tristeza que essas
desgraças causam. O assunto é meu, sim, porque eu sou um habitante da Terra
que, dia e noite, sou obrigado a conhecer dessa desgraceira toda, impotente e
perplexo.
Em que pesem todas as desgraças sofridas pelo povo judeu,
na história recente, sofrimento que ninguém do lado claro da Força aceita ver
repetido, vejo que Israel atiça muito e provoca sempre, talvez como uma espécie
de vingança dos seus mais velhos por tudo o que passaram.
Palestinos, por seu turno, têm líderes por eles
escolhidos, com discursos de extermínio judeu, sem sedação. Não há acenos para
a paz e - vamos dizer tudo! - as lideranças que, dos dois lados, flertaram com
a paz entre seus povos, foram assassinadas.
O Ocidente a tudo assiste, como se nada tivesse com o
caso, embora seja de conhecimento de todos esse interesse denarólatra, que nos
envergonharia se pejo na cara fosse alguma virtude humana.
Arrisco-me a propor, enfastiado: não são irmãos? Não são
todos filhos de Abrahão, lá atrás expulsos da tenda para que se extinguissem no
deserto as lembranças de Agar e Ismael?
Ora, se não é fácil a pacificação dos irmãos nem no
microcosmo doméstico, pois a marca de Caim parece que nos interpenetra, talvez
fosse o caso de o restante da humanidade virar o rosto para o outro lado, para
que os irmãos se entendessem a seu modo.
Destruição do planeta? Mas quem pensa nisso?
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