18 março, 2014

DE VOLTA A MARTE

MarteDiante de todas as notícias que leio, algumas sobressaem-se carregando dúvidas inarredáveis: teremos mesmo que abandonar a Terra nos próximos 100 anos, se quisermos salvar a espécie, como afirmou Stephen Hawking* em uma famosa série de palestras de 2012? Verdadeira ou falsa, sua afirmação antecede o abandono das corridas espaciais pela NASA e a entrega desse caro programa, inexequível até mesmo aos EUA, à iniciativa privada. Daí já decorreram avanços espetaculares na construção de naves e a especulação a respeito de valores, custos, preços de passagens, entre outros deslumbramentos.
Diariamente vemos notícias sobre o achamento de planetas na Via Láctea com características semelhantes às da Terra e o sistema solar volta a ser vasculhado em busca de corpos espaciais habitáveis. Seja isso tudo decorrente ou não da afirmação de Hawking, agora é Marte a bola da vez.
Vira e mexe, ao longo do tempo, ouvimos falar dos marcianos, da invasão da Terra por ETs de lá provenientes, da impossibilidade de vida em Marte, da inexistência de água etc, principalmente o etc.  Mudou tudo! Agora, fala-se abertamente sobre a descoberta de vestígios de água, congelada ou não, e os cientistas preparam-se para encontrar as causas do achatamento das órbitas dos astronautas, da osteoporose e dos males causados pela exposição à radiação, para enviar, com segurança, uma expedição humana ao planeta mais famoso entre os que orbitam o sol. A ideia parece revestir-se de obviedade: precisamos encontrar um novo lar.
Um novo lar para nós, mas – claro! – não para todos nós. A imensa maioria deverá arder-se por aqui, como um sacrifício ao Deus dos Planetas, um jeito de, por assim dizer, pagar a conta dos estragos que fizemos.
A dúvida seguinte, então, é: levaremos araras, tigres, minhocas, leões, girafas? Criaremos uma biosfera, à semelhança das experiências que vimos serem realizadas recentemente?
A dúvida maior é: levaremos vegetais, grãos, hortaliças e legumes para um plantio específico e um futuro vegetariano ou, especulemos, transportaremos bois, vacas, tartarugas, galinhas, porcos, emas e faisões para uma criação intensiva capaz de dar conta de uma ancestral fome de sangue, dando continuidade ao holocausto animal?
Se os levarmos todos, talvez reeditemos Noé e a Arca, mas fica sempre a dúvida sobre a lição recebida, se a aprendemos ou se o novo endereço – qualquer que seja ele – será apenas mais um canteiro de mau uso e destruição.
*Stephen William Hawking, capricorniano de 72 anos é um físico teórico e cosmólogo britânico (Big Bang, Buracos Negros – que hoje, 2014, ele nega existirem)) e um dos mais consagrados cientistas da atualidade. Doutor em cosmologia, atualmente, é diretor de pesquisa do Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica (DAMTP) e fundador do Centro de Cosmologia Teórica (CTC) da Universidade de Cambridge. É portador de esclerose lateral amiotrófica (ELA)4 , uma rara doença degenerativa que paralisa os músculos do corpo sem, no entanto, atingir as funções cerebrais, Não há cura para sua doença.

(Este texto esteve publicado originalmente em Veggi e Tal, onde mantenho honrosamente uma coluna. Só comparece a este blog agora, quase trinta dias decorridos de sua publicação original)

16 março, 2014

DESCOMEMORAÇÕES PARA O GOLPE DE ESTADO DE PRIMEIRO DE ABRIL

Vivi os acontecimentos golpistas de 64. Se era jovem em demasia para compreender-lhe os antecedentes, percebia claramente o que se passava na cabeça das pessoas da classe média baixa, sempre preparada para macaquear os anseios da burguesia mais bem situada, seu modelo heroico.
Depois, anos a fio, acompanhei suas consequências. Eu as sofri, desde a mordaça às incômodas detenções e infames interrogatórios. 
Deixemos, contudo, de choro, pois isso é individual e ao caso não vem. Importa, isso sim, aquilo que a sociedade vivia. E isso não era banquetear-se com brioches.
Hoje, no início das tais "descomemorações" (gostei da inventividade desse nome) do golpe de primeiro de abril, astuta e infantilmente colocado em 31 de março, leio tantas bobagens e desinformações quantas são as versões dadas ao que se passou. Os mais bem aquinhoados jornalistas unem-se ao mais golpista dos taxistas de terceira linha para anunciar bravamente suas verdades incomensuráveis: negando ou apoiando os golpistas de 60/70/80, escrevem e dizem absurdos que uma criança de sete anos, recém chegada de Vênus, receberia com sarcasmo, tal a falta de sintonia com a razão.
As pessoas não deveriam se esquecer do discurso dos golpistas (e vou ficar por aqui, prometo!), especialmente na parte em que prometiam livrar completamente o Brasil dos corruptos (justo quem - dos generais aos coronéis - silenciaria qualquer denúncia de roubalheira nos anos que se seguiram), promessa que fez levantar de suas camas até enfermos terminais (patriotice ingênua!) para aplaudir a passagem dos tanques de guerra. Sim, a sociedade, à exceção da academia mais bem informada e politicamente engajada, viu com olhos brilhantes de emoção a cortina negra da opressão toldar nosso crescimento moral, nosso processo educacional, nosso desenvolvimento cidadão. É aí que o perigo mora.
Não vamos bancar aqui os sectários dispostos a tudo para manchar a história do golpe de Estado, até porque nem há espaço nessa capa para mais manchas. Houve, sim, desenvolvimento nas comunicações, na telefonia, na compreensão geopolítica da nossa extensão territorial, na afirmação relativamente independente no concerto das nações do mundo.
Quanto, entretanto, isso nos custou?
Nossa população, às vezes, semelha-se a uma malta destemperada à espera de salvação fascista, tal o grau de desinformação criado pelos nefastos "atos institucionais" (há quem só saiba contar até 5) que se seguiram. 
Conscientes da péssima educação que lhe é oferecida, nossa juventude aprecia com desdém a copa frondosa dessa árvore de desmandos, esquecendo-se de lhe desvendar as raízes.
E, pelo visto, nem adianta confiar nos historiadores e acadêmicos (tão lustrosos!) de plantão, pois suas verdades não correspondem aos fatos.
Às descomemorações, pois! Eia! Eia! Que o pior - parece -  ainda nem começou.
Às