23 março, 2014

CARNE DE SOJA

Frequentemente, a (delicada) pergunta: "-Não me leve a mal, mas tenho percebido que os veganos fazem questão de comer coisas com nomes de produtos de carne, como quibe, linguiça, carne de soja, bife de soja, salsicha.... Não há aí uma incoerência? Seria mais lógico se buscassem outras texturas, comessem cenoura e alface, e não PVT, PTS, essa gama de produtos de soja com textura próxima à da carne."
Nessa pergunta está embutida provocativamente uma "acusação", a de que vegano é um amante da carne e que busca substituí-la com os mais diversos simulacros, intentando saciar-se no "me engana que eu gosto", uma prova de que o ser humano é carnívoro.
Essa lógica torta comete alguns esquecimentos propositais, tudo com a finalidade de brincar de snooker.
Vamos, pela enésima vez, considerar que fazemos o que queremos ora bolas!) e que esses nomes (linguiça, hambúrguer, salsicha) não são pertinentes à carne. Onde foi que li? Se está enrolado é linguiça/salsicha, se achatarmos vira hambúrguer e se fazemos bolinha vira almôndega, e isso com respeito a qualquer ingrediente. É tão simples o argumento que o reproduzi aqui, muito grato a quem o elaborou. Essas palavras não pertencem ao mundo carnívoro, que delas tenta apropriar-se para jogar sinuca com os veganos que considerem presas mais tranquilas de sua verve, embora tosca. Vamos devolver essas palavras aos dicionários e com o significado que lhes deu meu amigo anônimo.
Por outro lado, e se assim fosse?
Veganos são renunciantes radicais que, em um heroico dia, abriram os olhos para a realidade, perceberam o que se faz neste planeta e se recusaram a participar da matança. Esse é um dia heroico porque é o dia de contrariar a cultura em que estavam mergulhados há anos, quiça por toda sua vida, longa ou não, e seria natural que buscassem texturas que lhes demonstrassem que a renúncia é pífia. Mas muito mais do que isso:
Veganos são ativistas de uma causa que informa,a quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir que não há necessidade de bichos mortos para satisfazer os prazeres dos mais telúricos sabores. Vegano não é santo, vegetariano não é um ser superior, mas apenas alguém que se abriu para outros níveis de consciência. Da consciência decorre a responsabilidade.
Assim sendo, bem aventurados os simples, os que não têm a consciência do que fazem, pois nenhuma responsabilidade lhes é cobrada. Da inconsciência e da ignorância vem sua paz, efêmera paz que satisfaz apetites, destrói o planeta e inviabiliza o futuro.
Carne vermelha não pode? Pode, mas eu não quero.
Peixe pode, não pode? Pode, mas eu não quero.

Pode o que quisermos, mas o que queremos depende do grau de consciência que alcançamos e do amor que de nós emana em direção a todos os seres do Universo.

E AS MINHAS PROTEÍNAS?



         Os vegetarianos estão bem acompanhados. Contam entre seus pares  com Sócrates, Darwin, Newton, Pitágoras, Rousseau, além de Voltaire, Ovídio, Albert Einstein, Leonardo Da Vinci e multidões de famosos e anônimos pelo mundo a fora e história a dentro. É um elenco e tanto. Mas isso parece nada significar diante das espertas (e rápidas!) perguntas definitivas dos defensores da carne como item obrigatório do cardápio: "- E as minhas proteínas? Vão me fazer falta, não vão? Como substituir?" Com efeito!
         Não há para os humanos necessidade de ingerir proteínas de origem animal em qualquer fase da vida, explica-nos o Dr. Eric Slyvich, nutrólogo especializado em alimentação vegana, E vai além: todos os aminoácidos essenciais estão presentes nas proteínas vegetais e faz já um quarto de século que o erro de afirmar ser a carne necessária como provedora de proteína foi derrubado. O mesmo vale para leite e ovos.
         Antigamente, falava-se em  "valor biológico" para medir a incorporação da proteína absorvida pelo organismo dos animais humanos, um método equivocado - mais um! - proveniente de pesquisas realizadas com animais não humanos e que foi substituído por recomendação da FAO (da ONU) e pela Organização Mundial de Saúde.
         Assim, causa espanto ler, na coluna de Josimar Melo (27/11), explicação de nutricionista afirmando que Tirando os produtos animais da dieta normal causamos uma carência de nutrientes fundamentais: proteína, cálcio e vitamina B-12, além de ferro e vitamina D”, na contramão do conhecimento científico mais comezinho - o de que é saudável a dieta vegana - e induzindo o articulista da FSP a erros, coisa grave por se tratar de formador de opinião com espaço certo na mídia. Melo também escreveu que não se animou a transformar sua cozinha em farmácia, nem suas receitas culinárias em receitas médicas. Está certo ele, que eu também não gosto de pharmácia. Gosto de comida boa, perfumada, saborosa e requintada: sou vegano.
         Desnutrido, eu? Olheiras?
         Desnutrição eu não conheço, embora há dez anos não participe da matança nem me preocupe com substitutivos. Só faltava! Não tive que substituir nada, mas somente retirar a carne do cardápio, vale dizer, carne, ovos, laticínios. Qualquer pessoa que se alimente com o número mínimo de calorias necessárias a sua sobrevivência terá a contrapartida das tão famosas proteínas. Quem já ouviu falar em pessoa com carência de proteínas? Retiro as minhas dos feijões que como, das lentilhas, até do arroz (sim!). Ferro? Verduras escuras e feijão. B12? Vamos aos orgânicos. Vitamina D? É de rir largado! Precisa mais do que o Sol?
         Forçoso dizer: depois que o vegetarianismo é alcançado, começa uma exigência maior em relação aos alimentos: foge-se dos agrotóxicos, dos transgênicos, das procedências suspeitas, dos alimentos cujo cultivo ameaça o equilíbrio planetário,  ingredientes que não têm a chancela do ecologicamente correto, e adquirem-se hábitos saudáveis, experimentam-se sabores e texturas antes nem suspeitados, buscam-se alimentos ricos e nutritivos.  É muito raro o veganismo desinformado, até porque temos razões diversas, nem sempre conjuntas, para nos afastarmos do consumo de animais mortos como se fossem comida: são razões de gosto, de saúde, de compaixão.          Deixemos de trela: ninguém precisa, aliás nem deve, entupir-se de soja para repor ou suplementar pedaços de cadáveres e derivados da crueldade para com os animais. Soja é apenas um grão nutritivo extremamente versátil, presta-se a inúmeras preparações culinárias saborosas, consome quem quer e é oferecida por essas qualidades e por sua textura.
         Em uma coisa, porém, Melo acertou: comer fora de casa vira um problema. É difícil encontrar um Chef de Cuisine qualificado para oferecer azeite extra-virgem delicado como um toque mediterrâneo de apurado gosto ao invés da famigerada manteiga, colesterol puro, talvez preferível em cápsulas ou injetável, como uma droga qualquer.
         Qual a dieta que faz mal à saúde? Na dúvida, exames de sangue: taxas de colesterol, triglicérides...

         Por falar nisso, como andam suas taxas?

18 março, 2014

DE VOLTA A MARTE

MarteDiante de todas as notícias que leio, algumas sobressaem-se carregando dúvidas inarredáveis: teremos mesmo que abandonar a Terra nos próximos 100 anos, se quisermos salvar a espécie, como afirmou Stephen Hawking* em uma famosa série de palestras de 2012? Verdadeira ou falsa, sua afirmação antecede o abandono das corridas espaciais pela NASA e a entrega desse caro programa, inexequível até mesmo aos EUA, à iniciativa privada. Daí já decorreram avanços espetaculares na construção de naves e a especulação a respeito de valores, custos, preços de passagens, entre outros deslumbramentos.
Diariamente vemos notícias sobre o achamento de planetas na Via Láctea com características semelhantes às da Terra e o sistema solar volta a ser vasculhado em busca de corpos espaciais habitáveis. Seja isso tudo decorrente ou não da afirmação de Hawking, agora é Marte a bola da vez.
Vira e mexe, ao longo do tempo, ouvimos falar dos marcianos, da invasão da Terra por ETs de lá provenientes, da impossibilidade de vida em Marte, da inexistência de água etc, principalmente o etc.  Mudou tudo! Agora, fala-se abertamente sobre a descoberta de vestígios de água, congelada ou não, e os cientistas preparam-se para encontrar as causas do achatamento das órbitas dos astronautas, da osteoporose e dos males causados pela exposição à radiação, para enviar, com segurança, uma expedição humana ao planeta mais famoso entre os que orbitam o sol. A ideia parece revestir-se de obviedade: precisamos encontrar um novo lar.
Um novo lar para nós, mas – claro! – não para todos nós. A imensa maioria deverá arder-se por aqui, como um sacrifício ao Deus dos Planetas, um jeito de, por assim dizer, pagar a conta dos estragos que fizemos.
A dúvida seguinte, então, é: levaremos araras, tigres, minhocas, leões, girafas? Criaremos uma biosfera, à semelhança das experiências que vimos serem realizadas recentemente?
A dúvida maior é: levaremos vegetais, grãos, hortaliças e legumes para um plantio específico e um futuro vegetariano ou, especulemos, transportaremos bois, vacas, tartarugas, galinhas, porcos, emas e faisões para uma criação intensiva capaz de dar conta de uma ancestral fome de sangue, dando continuidade ao holocausto animal?
Se os levarmos todos, talvez reeditemos Noé e a Arca, mas fica sempre a dúvida sobre a lição recebida, se a aprendemos ou se o novo endereço – qualquer que seja ele – será apenas mais um canteiro de mau uso e destruição.
*Stephen William Hawking, capricorniano de 72 anos é um físico teórico e cosmólogo britânico (Big Bang, Buracos Negros – que hoje, 2014, ele nega existirem)) e um dos mais consagrados cientistas da atualidade. Doutor em cosmologia, atualmente, é diretor de pesquisa do Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica (DAMTP) e fundador do Centro de Cosmologia Teórica (CTC) da Universidade de Cambridge. É portador de esclerose lateral amiotrófica (ELA)4 , uma rara doença degenerativa que paralisa os músculos do corpo sem, no entanto, atingir as funções cerebrais, Não há cura para sua doença.

(Este texto esteve publicado originalmente em Veggi e Tal, onde mantenho honrosamente uma coluna. Só comparece a este blog agora, quase trinta dias decorridos de sua publicação original)

16 março, 2014

DESCOMEMORAÇÕES PARA O GOLPE DE ESTADO DE PRIMEIRO DE ABRIL

Vivi os acontecimentos golpistas de 64. Se era jovem em demasia para compreender-lhe os antecedentes, percebia claramente o que se passava na cabeça das pessoas da classe média baixa, sempre preparada para macaquear os anseios da burguesia mais bem situada, seu modelo heroico.
Depois, anos a fio, acompanhei suas consequências. Eu as sofri, desde a mordaça às incômodas detenções e infames interrogatórios. 
Deixemos, contudo, de choro, pois isso é individual e ao caso não vem. Importa, isso sim, aquilo que a sociedade vivia. E isso não era banquetear-se com brioches.
Hoje, no início das tais "descomemorações" (gostei da inventividade desse nome) do golpe de primeiro de abril, astuta e infantilmente colocado em 31 de março, leio tantas bobagens e desinformações quantas são as versões dadas ao que se passou. Os mais bem aquinhoados jornalistas unem-se ao mais golpista dos taxistas de terceira linha para anunciar bravamente suas verdades incomensuráveis: negando ou apoiando os golpistas de 60/70/80, escrevem e dizem absurdos que uma criança de sete anos, recém chegada de Vênus, receberia com sarcasmo, tal a falta de sintonia com a razão.
As pessoas não deveriam se esquecer do discurso dos golpistas (e vou ficar por aqui, prometo!), especialmente na parte em que prometiam livrar completamente o Brasil dos corruptos (justo quem - dos generais aos coronéis - silenciaria qualquer denúncia de roubalheira nos anos que se seguiram), promessa que fez levantar de suas camas até enfermos terminais (patriotice ingênua!) para aplaudir a passagem dos tanques de guerra. Sim, a sociedade, à exceção da academia mais bem informada e politicamente engajada, viu com olhos brilhantes de emoção a cortina negra da opressão toldar nosso crescimento moral, nosso processo educacional, nosso desenvolvimento cidadão. É aí que o perigo mora.
Não vamos bancar aqui os sectários dispostos a tudo para manchar a história do golpe de Estado, até porque nem há espaço nessa capa para mais manchas. Houve, sim, desenvolvimento nas comunicações, na telefonia, na compreensão geopolítica da nossa extensão territorial, na afirmação relativamente independente no concerto das nações do mundo.
Quanto, entretanto, isso nos custou?
Nossa população, às vezes, semelha-se a uma malta destemperada à espera de salvação fascista, tal o grau de desinformação criado pelos nefastos "atos institucionais" (há quem só saiba contar até 5) que se seguiram. 
Conscientes da péssima educação que lhe é oferecida, nossa juventude aprecia com desdém a copa frondosa dessa árvore de desmandos, esquecendo-se de lhe desvendar as raízes.
E, pelo visto, nem adianta confiar nos historiadores e acadêmicos (tão lustrosos!) de plantão, pois suas verdades não correspondem aos fatos.
Às descomemorações, pois! Eia! Eia! Que o pior - parece -  ainda nem começou.
Às